Nas últimas duas semanas estive com um pé fora do país e, por isso mesmo (e de forma totalmente voluntária), um bocado alheada do que por cá se foi passando. É giro (e não sei se bom ou mau) concluir que se não tivermos Facebook estamos alheados de todas as polémicas de trazer por casa . É um descanso para o cérebro e para a alma. Mas, nas poucas incursões que por lá fiz, deu para perceber que as duas grandes causas de indignação facebookianas foram:
1) a cena do pum do Salvador Sobral;
2) a foto publicada pela Carolina Deslandes no seu Instagram e que levou a um bate-boca com a tia Maya e a todo um conjunto de opiniões diversificadas sobre o tema;
A primeira é, obviamente, um não tema. O rapaz é assim, tem o coração na boca, é genuíno e isso traz também alguma ingenuidade (e consequências) à mistura. Por este andar vai perdê-la rapidamente, vai perceber (estranho ainda não ter percebido) que estamos num país de ofendidinhos e, pior, num país onde se passa de bestial a besta assim em cinco segundos. Ahhhh, adoramos o Salvador, é o novo messias, é o nosso herói, ergam-se estátuas. Ah, espera lá, afinal não, afinal o gajo acha que somos uns parolos incultos que aplaudimos tudo, peidos incluídos. Se calhar caiu pior por ter sido naquele sítio, naquele contexto, naquela noite, com um público que não era o dele. É só o público que gosta de uma música dele, a única que conhece e a que nos deu o caneco da Eurovisão. E pronto, assim se entornou o caldo. Eu continuo a achar que o rapaz não teve a mínima intenção de ofender ninguém, que é só assim, descontraído, despudorado e que não percebe (como eu não percebo) esta coisa de se largar aos gritos e aos aplausos à mínima coisa. Estava a ver a actuação dele no concerto solidário e parecia que estava a ver um programa da Oprah, quando ela anuncia que vai oferecer canetas BIC e há gente a desmaiar na plateia, tamanho o êxtase. Menos, minha gente, menos. Assunto encerrado, o rapaz veio pedir desculpa, next.
O outro tema é o da Carolina Deslandes,
que publicou uma foto em roupa interior, no seu Instagram, um mês depois de ter sido mãe. Tudo certo, não fosse a Carolina estar com excesso de peso. O assunto foi debatido num qualquer programa cor-de-rosa da CMTV e a Maya avançou, confiançuda, com a tese de que ninguém está assim um mês depois ter sido mãe, que aquilo não era normal, que não era um bom exemplo e que a Carolina devia procurar ajuda médica.
Ora bem, eu tenho mixed feelings em relação a este tema e vou tentar expressá-los com paninhos quentes, porque já sei que tudo o que mexa com peso (a mais) é coisa para a pessoa ser logo atirada para a fogueira. Se for para falar de magreza, tudo bem, o mundo pode opinar o que quiser, mas se for para falar de gordura, aí a coisa pia mais fino e já temos de nos deslocar em biquinhos dos pés e com muita parcimónia. Posto isto, tenham lá calminha com o atirar de pedras.
Para começo de conversa, eu acho que a Carolina Deslandes é livre de publicar o que ela bem entender. É uma miúda talentosa, esperta, feliz, o Instagram é dela, a vida é dela, o corpo é dela, expõe o que acha que tem de expor e, claro, sendo figura pública e não podendo contar com o bom senso alheio, sabe que estará exposta a todo um leque de comentários, abonatórios ou não. Se era bom que quem não tem nada de positivo ou construtivo para dizer estivesse calado? Era óptimo, mas isso não existe nas redes sociais. Por experiência própria, sei que as pessoas não têm filtro, que se escudam atrás do seu ecrã e proferem as maiores barbaridades, hasteando a bandeira da "liberdade de expressão" como desculpa para serem só más e desagradáveis. É preciso jogo de cintura para se lidar com isso. Há quem tenha mais, há quem tenha menos, há quem vá aprendendo a ter, há quem tenha dias melhores do que outros.
Não sigo a Carolina Deslandes diariamente, não leio o blog dela mas, pelo pouco que vou acompanhando, parece-me uma miúda que não tem grandes problemas em expor os seus medos e inquietações, sobretudo no que toca à maternidade. Teve dois bebés no espaço de um ano, o corpo sofreu mudanças, antes disso já tinha tido alguns problemas de peso, e ela fala disso com naturalidade. Acredito que procure empatia e até apoiar pessoas que tenham passado pelo mesmo, mas tenho a certeza que sabe que também não faltará gente a dar palpites ou a tecer comentários menos simpáticos. E é por isso que não percebo bem a publicação daquela foto. Atenção, não estou a dizer que ela não deveria ter publicado a foto, nada disso, acho MESMO que deve fazer o que achar melhor, só não percebo exactamente o objectivo que esperava alcançar ou a mensagem que queria passar. Era mostrar que ainda não recuperou o corpo que tinha? Mas isso não é o normal ao fim de um mês após o parto? Alguém acha estranho que depois de duas gravidezes num tão curto espaço de tempo o corpo ainda não tenha voltado ao que era antes? Se ela continuasse com tanto peso a mais ao fim de dois anos, isso sim, poderia parecer desmazelo, falta de motivação, despreocupação com o corpo e com a saúde, ou revelador de algum tipo de problema. Mas... ao fim de um mês? Quem é que exige a uma mulher que esteja no topo da forma um mês depois de ter uma criança? E que mulher é que dá ouvidos a isso? Verdade que estamos mais frágeis, com as hormonas completamente descontroladas, mas acho que se alguém me dissesse "estás gorda" um mês depois de eu ter parido, a minha resposta mais simpática seria um "vai pró caralho que ninguém te perguntou nada". Ou um "pois estou, e se não me saíres da frente a seguir como-te a ti". É preciso ser cruel para chamar gorda a alguém que acabou de ser mãe e que tem mil outras prioridades na cabeça do que voltar a ser a mais fit do bairro. Agora que estou a pensar nisso, lembro-me que uma ou duas semanas depois de o Mateus ter nascido uma pessoa veio cá a casa visitá-lo e disse-me "bem, estás com uma barriga enorme". Larguei a chorar, às escondidas, quando na verdade devia era ter dito "certo, mas a minha barriga vai ao sítio daqui a uns meses, a tua duvido". Mas não disse nada, estava com a auto-estima esfrangalhada, fui banana e mariquinhas. Por isso esqueçam tudo o que disse.
O meu "problema" com a foto da Carolina (que não é problema nenhum, não me tira o sono, foi só uma coisa que me fez pensar) está no tema que ela escolheu para esta foto e que era "real is the new black". E é aqui que eu torço o nariz, porque esta coisa do real tem muito que se lhe diga. Não acho que o corpo da Carolina Deslandes seja a representação do "real". É o real para ela, como o real da Carolina Patrocínio é ter um corpo malhado e que não sofre quaisquer consequências com os partos. Mas o corpo de uma é tão real do que o de outra. E do mesmo modo que acho péssimo que a Carolina Patrocínio seja crucificada por ter um corpo impecável cinco minutos depois de ter sido mãe, também me parece bastante exagerado que o corpo da Carolina Deslandes seja elevado a exemplo real. Corpo real é o corpo que cada uma de nós tem. O que cada uma de nós faz por ter. Realidades diferentes para mulheres diferentes. E depois há o corpo com que nos sentimos bem, o que ambicionamos, aquele com que sonhamos. Devemos assumir que o corpo da Carolina Deslandes é mais real do que os outros porque ela ganhou mais peso? E que o corpo de uma Carolina Patrocínio desta vida é menos real porque não engordou um grama? Há quem engorde mais, quem engorde menos, quem não engorde de todo. E há as questões genéticas, a alimentação, a forma como se vive a gravidez. Fez exercício? Controlou o que comeu? Esteve a lixar-se para isso tudo durante nove meses, como eu estive?
Da mesma forma que não me senti minimamente pressionada pelos corpos pós-partos de quem volta à forma em cinco minutos, também não sinto que posso ficar muito mais descansada se engordar 30 quilos, porque isso é que é unanimemente aceite como um "corpo real". No meu caso, não tive cuidados na gravidez. Engordei 14 quilos, que teriam tranquilamente ido aos 20 se o Mateus não tivesse decidido nascer seis semanas antes do tempo. Se estava feliz com o meu novo corpo? Nem por isso, mas também não stressei muito. Percebo que o corpo tem o seu tempo e o meu foco era o bebé, queria lá saber se ainda não cabia nos jeans antigos. Até que, oito meses depois de o Mateus ter nascido, achei que estava na altura de começar a mexer o rabo e aniquilar os seis ou sete quilos que teimavam em não se pôr a andar. Mas com calma, sem loucuras. E sei que numa (eventual) futura gravidez tentarei ter mais cuidado, não só porque depois será mais fácil recuperar a forma mas, e sobretudo, por uma questão de saúde
Acho fantástico, mesmo, que a Carolina Deslandes se sinta bem com o seu corpo, como acho igualmente fantástico que a Carolina Patrocínio sinta orgulho no corpo que se esforçou para ter. Não me tentem é encaixar num suposto conceito de "real", porque há vários, e nenhum necessariamente mais válido do que outro.