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É preciso falar disto #13: o caso Lovely Pepa e o cyber bullying

segunda-feira, janeiro 29, 2018

Num qualquer dia de Verão do ano passado fui ao ginásio de manhã. Voltei para casa,  peguei no Mateus e saímos para almoçar. Antes, passagem rápida pelo banco para tratar de um assunto qualquer cá da minha vidinha. Ia ainda de cabelo meio molhado, apanhado às três pancadas, sem maquilhagem, um macacão, umas sandálias rasas, a despreocupação estilística de um típico dia de férias. Uns dias mais tarde, num dos muitos blogs de ódio criados para acossar bloggers (preferencialmente, os que tenham algum sucesso), alguém deixava um qualquer comentário do estilo "vi a Pipoca no banco com o Mateus. O cabelo todo oleoso, um macacão fluorescente, umas sandálias de plástico de ir para a praia, um horror. Afinal aquela produção toda de maquilhagem e saltos altos é só para o blog, que decepção". Era isto. O meu cabelo molhado passou a oleoso, o meu macacão de ganga quase branca passou a fluorescente, as minhas sandálias de corda e camurça passaram a "de plástico" e eu passei de cuidada a desleixada. Quem conta um conto acrescenta muitos pontos. E assim se deu a queda de um mito. 

Sucede que eu sou uma pessoa com uma enorme capacidade de reter informação de merda, coisas que não interessam para nada.  E lembro-me que nesse dia, no banco
, só estavam mais um velhote e uma mulher na fila, além de mim. Ora como não estou propriamente a ver o velhote a seguir blogs, menos ainda do estilo do meu, concluí que o comentariozinho odioso foi deixado por aquela mulher. E isto assustou-me. Mais do que me assustar, acho que me preocupou saber que alguém me viu ali, num situação absolutamente banal, e sentiu necessidade de ir a correr lançar mais achas para a fogueira de um hate blog. Dá para ter uma existência mais miserável? Passo a vida a dizer que os blogs me fizeram perceber que, na vidinha real, há pessoas tão más como nos filmes e nas novelas. E que elas andam aí, mais perto do que julgamos. Infelizmente, algumas partilham o mesmo banco do que nós.

Quando criei o blog, há 14 anos, não o criei a pensar que um dia teria sucesso, que me faria mais ou menos conhecida, que ganharia dinheiro com ele. A coisa foi acontecendo. E se os primeiros dois ou três anos foram uma alegria, com o blog a ser frequentado apenas por quem gostava efectivamente de o ler e a ser comentado de forma civilizada (mesmo por quem discordava), aos poucos isto foi-se transformando num cambalacho. Começaram os insultos gratuitos, os comentários de ódio, começou a aparecer gente cuja única ocupação na vida parecia ser detestar-me e fazer questão de o manifestar em todos os posts. Ao fim de uns seis ou sete anos de blog vi-me obrigada a impor a moderação de comentários, porque percebi que muita gente achava que liberdade de expressão equivalia a dizer todas as atrocidades que se lhes atravessassem pela cabeça. Confundiu-se liberdade com má criação, com maldade, com uma data de coisas que eu não quero no meu espaço. Porque, ao fim do dia, é mesmo disto que se trata: do MEU espaço. Um espaço que ninguém é obrigado a frequentar. Enchi o saco, deixou de me apetecer ser saco de pancada para gente frustrada, comecei a moderar comentários e a enviar directamente para o lixo todos os que me pareciam ofensivos ou desenquadrados.

Não sou egóica ao ponto de achar que toda a gente tem de concordar comigo. Que toda a gente tem de gostar daquilo que eu gosto. De pensar aquilo que eu penso. De se identificar com o que faço, com o que visto, com os meus ideais, com o que seja. E acho, mesmo, que da discussão de ideias resultam coisas interessantes. Farto-me de publicar comentários que discordam de mim, muitos até que nem abonam propriamente a meu favor. Não sou propriamente a blogger-diva que só quer palmadinhas nas costas. Mas há outros, muitos, todos os dias, que nunca chegam a ver a luz do dia. Pela agressividade, pelo despropósito, pela maldade. Há coisas muito duras de ler, que magoam, que fazem mossa. Ao fim de tantos anos, acho que até já consigo lidar bastante bem com o ódio que se dissemina diariamente a meu respeito. Apago comentários, não frequento determinados blogs e páginas de Facebook, peço aos meus amigos para não me contarem as coisas que lêem a meu respeito... Viver na ignorância é, em alguns casos, o melhor. Ou, pelo menos, a melhor forma de se conseguir alguma paz de espírito.

O que mais me incomoda é, provavelmente, o sentimento de injustiça. Ter gente que não me conhece de lado nenhum a tecer todo um conjunto de julgamentos de valor só com base naquilo que eu escrevo (e que está longe de ser a minha vida toda), a inventar merdas, teorias sem sentido, é coisa que me dá assim a voltinha ao estômago. Mas se há  uns anos fazia questão de publicar todos esses comentários e de lhes dar resposta (porque sentia que se não o fizesse estava a dar razão à pessoa que os tinha escrito, aquela coisa do quem cala consente), agora estou-me a cagar. Mesmo. Porque raio me há-de chatear a opinião que UMA pessoa qualquer tem de mim, se há outras 500 que pensam o oposto? Se as pessoas que me interessam - a minha família, os meus amigos - me conhecem, sabem o que sou, então a opinião de estranhos só merece um lugar: o caixotinho do lixo virtual. Mas, óbvio, não sou uma alma assim tão abnegada. Aquela coisa de apanhar na cara e oferecer a outra face não dá para mim. E se há dias em que calho a estar mais lixada com a vida, então haverá resposta.

Ao longo de 14 anos, como imaginam, já li de tudo. Do mais soft ("és horrível", "és fútil", "és obesa", "és feia de magra", "és ridícula") ao mais hardcore. Já me perguntaram se o meu filho tem Trissomia 21, já gozaram com a minha família, com os meus amigos, já me acusaram de ser má mãe, já me desejaram a morte. E eu dou por mim a olhar para tudo o que escrevi neste blog e pergunto-me "a sério? A sério que há alguém que me odeia ao ponto de me desejar a morte?". Quão doente é que se pode ser? Estou longe de ter o típico blog cor-de-rosa-fofinho. Verdade que tenho opinião sobre as coisas, não sou uma anémona. Verdade que, para muitos, sou demasiado irónica, sarcástica, corrosiva. Verdade que há quem não empatize com o meu humor, ou sequer o perceba. E acredito que, para muita gente, possa não ter uma imagem simpática, amistosa, fofinha. Percebo isso tudo. Mas não sou, de todo, uma pessoa maldosa, com mau fundo, mal intencionada, capaz de promover ódio. Não é a minha cena. "Ah, mas gozas com a roupa das pessoas", "ah, mas fazes piadas com algumas situações". Certo, isso tudo. Mas alguma vez escrevi alguma coisa que justifique o ódio todo que algumas pessoas me têm? Não creio.

Há quem se defenda usando a cena do "estás exposta, aguenta-te". Certo, há uma parte da minha vida que está exposta. Mas há uma data de pessoas que estão expostas no vosso dia-a-dia, na vossa realidade. A senhora do café, os vossos amigos, a vossa família, os vossos colegas de trabalho, a malta do ginásio. E se não chegam ao pé dessas pessoas e lhes despejam uma data de atrocidades na cara, porque é que acham que o podem fazer via net? Porque na vida real há uma coisa chamada "decoro". E outra chamada "coragem". Na net são todos uns heróis, escondidos atrás do vosso computador, a debitar anormalidades atrás de um ecrã. Na vida de todos os dias é que a coisa é mais difícil. E bastava isso. Bastava que muita gente fizesse o exercício de pensar "eu diria isto a alguém que estivesse à minha frente? Não. Não teria coragem, não seria apropriado, não faria sentido". Então, se não diriam isso a alguém, ao vivo, porque raio sentem que o podem dizer via net, a alguém que não conhecem de lado nenhum? Em 14 anos de blog nunca ninguém veio ter comigo, ao vivo, para dizer que me detesta, que me acha uma palerma, uma arrogante, o que seja. Quem vem ter comigo é quem gosta de mim, quem tem qualquer coisa simpática para me dizer. Ou outros? Vão a correr para as caixas de comentários dos blogs de ódio, escudados no seu anonimato, a acharem-se os maiores lá da rua deles.

Esta conversa toda não é nova, mas vem a propósito da denúncia que a espanhola Alexandra Pereira, do Lovely Pepa, fez na semana passada. Num vídeo de meia hora, a blogger conta que sempre foi acossada (primeiro, na adolescência, depois por causa do blog), que sempre foi vítima de comentários de ódio, e que as coisas não param. Que sempre optou por ignorar, na esperança que o cyber bullying acabasse, mas que ao ver que ia ficando sempre pior, tinha decidido falar sobre o assunto. O ponto alto é quando denuncia a Vogue espanhola, que no seu site permitia fóruns, sem qualquer tipo de controlo sobre os conteúdos publicados. Um desses fóruns era exclusivamente dedicado à Alexandra Pereira e, basicamente, era um depositário de mais de 70 mil comentários de ódio. Sim, ela contou-os e até publicou alguns deles no seu vídeo. Moral da história: a Vogue acabou com os fóruns, apagou aquilo tudo e viu-se obrigada a emitir um comunicado a pedir desculpa. Não só à Lovely Pepa como a muitas outras mulheres (bloggers, actrizes, apresentadoras) que também foram visadas naqueles fóruns. Um pequeno passo para o mundo, um grande passo para acabar com o cyber bullying.

Acho que quando gerimos um espaço ao qual tanta gente tem acesso, temos de ter algum cuidado com os comentários que aceitamos. Não somos os autores dos mesmos, mas não deixamos de ter alguma responsabilidade. Por aqui, é raro o dia em que não vêm cá deixar comentários a destilar ódio sobre outras bloggers. Às vezes pode escapar-me uma coisa ou outra, por distracção, mas geralmente não aceito nada desse género, não faz sentido, é só estúpido. Até porque sei que isso é só abrir a porta a que venham mais e mais comentários odiosos. Faz-me muita confusão que páginas de revistas, jornais ou programas de televisão não façam qualquer tipo de moderação dos comentários publicados. Aquilo é um campo aberto de anormalidade, de maldade, de violência verbal, de preconceito, de tudo e mais alguma coisa. Enche-me de vergonha que as pessoas possam fazer comentários assim. Ou melhor, enche-me de vergonha (e medo) que haja quem pense efectivamente assim. Essas pessoas existem, comem e dormem como nós, têm empregos, uma vida normal. Mas depois são uma merda. Não há outra palavra, são uma merda.

Há uns tempos fui convidada para ir a um programa de televisão. Não me pagaram nada, tirei duas ou três horas do meu fim-de-semana para ir até lá. No final do programa, fui à página de Facebook do dito programa, e não só os gestores da página tinham puxado algumas das frases que eu tinha dito descontextualizando-as para gerar "click bait", como havia uma data de comentários de uma agressividade inacreditável. O programa era sobre futebol, portanto estão a imaginar os espécimes que por ali apareceram a comentar. Enviei, na hora, uma mensagem ao apresentador do programa a perguntar como é que era possível que deixassem um convidado ser tratado assim. Como é que permitiam aquele tipo de comentários? Como é que não protegiam minimamente as pessoas que se disponibilizavam para ir até lá? Moral da história: não voltei ao programa, recusei os convites seguintes, ah, e tal, não vai dar. 

Moral da história, este post não é, de todo, para me vitimizar. Já ando aqui há muito tempo, já conheço as regras do jogo e já sei que há gente assim, genuinamente má. Infelizmente, isto não vai mudar grande coisa, mas sou pela lei do retorno. Acho que quem faz determinado tipo de comentário, daqueles mesmo, mesmo odiosos, mais tarde ou mais cedo acabará por pagar. A vida encarrega-se desta gente. Acho que a Alexandra Pereira teve muita coragem em expor a situação, sobretudo envolvendo um meio de comunicação tão influente como a Vogue. Esta responsabilização é importante, é urgente, os meios de comunicação têm de fazer a sua parte, mesmo que isso implique perderem algumas visitas ou "gostos". Porque não pode valer tudo.

A coisa que mais me perguntam é "como é que aguentas aqueles comentários?". Não sei. Não há uma fórmula. Em 97% dos casos já só me consigo rir com o nível de imbecilidade que anda por aí. Apago, ignoro, sigo em frente. Mas depois há aquelas coisas que, pelos requintes de malvadez, me fazem pensar um bocadinho. Sobretudo na existência miserável que muita gente leva. Criar blogs de ódio a outros blogs? Deixar comentários horríveis? Ir para páginas de Facebook despejar atrocidades? Pessoas, por favor. Façam voluntariado, adoptem um peixinho dourado, façam desporto, viajem. E tenham juízo. Sobretudo, tenham juízo, que muitas já têm idade para isso.

204 comentários:

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Picante à Brava disse...

Olá Gracinha!

BULLYING é a minha actividade preferida!

Todos estes anos de bullying têm agora uma cara 🙂

Aqui estou eu, revelada ao mundo: https://picanteabrava.blogspot.pt/

Anónimo disse...

Deus, da-me a flacidez da Pipoca!
;)

Anónimo disse...

Então e a Kim Katrall e a Jessica Parker, que a AGM tanto venera, a destilarem veneno no Instagram?!! Tão tias que elas pareciam e afinal...Isto está tudo tão banal, que o mais chique é mesmo ficar por casa a fazer crochet!!

Anónimo disse...

O Francisco só queria dizer que a Pipoca não devia descer ao nivel das pessoas que são autoras de comentários maldosos.Haverá sempre gente que desdenha do que quer comprar e em países onde o nível de vida é baixo isso é muito mais acentuado. Simples né?!

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