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Crónicas da vida na aldeia

sexta-feira, julho 25, 2014
Ao final da tarde fui dar uma volta com o Mateus pela aldeia. Sentei-me no banquinho do largo, entre dois velhotes. Gosto de os ouvir falar, de ver a desconfiança com que olham para cada carro que passa ("estes são estrangeiros, devem ir ali para o golfe"), da forma diferente como vivem o tempo. Parece que estão ali desde sempre, que são velhotes desde sempre, que se entretêm com as mesmas coisas desde sempre: dar dois dedos de conversa, comentar a vida alheia, estar atento a quem passa. Imagino que seja assim em todas as aldeias. "Aqui não se passa nada, deve aborrecer-se, não?", perguntou-me um deles. Disse-lhe que não, que não me aborrecia nada. Que, na verdade, gostava mesmo muito de aqui estar, que me sabia bem este ritmo e esta despreocupação. Talvez porque sei que é por um tempo limitado, que a minha vida não é assim todos os dias, esta calmaria. É mesmo verdade que aqui não se passa nada. A maior agitação está guardada para as manhãs, quando o carro do pão e o do peixe entram pela aldeia a buzinar desenfreadamente logo às sete e tal da manhã. Depois pronto, não acontece mais nada. Contam-se os carros que passam, espiam-se os veraneantes com casas arrendadas na aldeia, almoça-se, dorme-se a sesta, volta-se de novo para a rua, e é isto. Já não há crianças a brincar na rua como havia no meu tempo. Cresceram, foram fazer a vida delas para outro lugar qualquer. Ainda me lembro de sermos uns 20 a jogar às escondidas nas noites de Verão, até às tantas. Não havia perigos, não havia telemóveis, éramos felizes e víamos os Jogos Sem Fronteiras. Tenho ido dar uma volta à noite, para embalar o Mateus, e não se vê uma alma. Não há gente nova, só velhotes, e esses deitam-se cedo. No Inverno ainda é pior. Agora está para abrir um café. Já houve dois, agora só há um, que também é mercearia. E o comércio da aldeia resume-se praticamente a isto. Uma mercearia, o café novo e o barbeiro - que nem sei bem se ainda funciona - que também tinha um marco do correio onde eu depositava as cartas de amor da minha adolescência. Nessa altura sentia-me confinada, era como se os meus pais me raptassem por um mês e me afastassem de todas as coisas boas que estavam a acontecer no mundo. Tudo eram dramas, tudo eram dificuldades, quase que fazia riscos na parede à espera que o tempo passasse e me levasse de volta à civilização. Mal eu sabia que ainda ia passar o ano à espera de vir para a aldeia, precisamente por não se fazer nada aqui. Casa-praia-praia-casa. Na mala umas havaianas, biquínis, dois calções, três vestidos de praia e meia dúzia de t-shirts. Só. Depois os livros. Este ano só vieram dois, calculei que o Mateus não me permitisse grandes aventuras literárias. Adivinhei. Ainda assim, e só com as leituras nocturnas, já consegui despachar um. Para isto ser mesmo, mesmo perfeito, só se tivesse deixado o computador em casa. Não dá. Feliz ou infelizmente, anda sempre atrás de mim. Mas a net funciona mal, o telemóvel quase não tem rede, é impossível esquecer que se está na aldeia. Sempre que vou à varanda pendurar as toalhas da praia olho para o mar e penso que, se calhar, um dia, ainda sou capaz de me render a esta vidinha. Ou será que sempre é verdade que podem tirar a miúda da cidade mas não podem tirar a cidade da miúda?

47 comentários:

  1. Acho que com o passar dos anos começamos a dar valor a outro tipo de vida, mais calma

    Sónia
    Taras e Manias

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  2. Quando vou para aldeias de amigos (os meus pais é tudo muito citadino) também sinto esse desligar maravilhoso. Não sei se me habituaria, mas uma semana ao ano faz milagres por nós =)

    12 LOVE

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  3. São estes posts que fazem continuar a cá vir. Boas férias.

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  4. Passei de trabalhar e viver em Lisboa para viver numa pequena vila, com vacas e cavalos a 100m de casa e trabalhar noutra pequena vila, ambas a 5km de uma pequena cidade no centro da Europa. Faz agora um ano e o balanco e positivo, estou a apreciar as maravilhas de simplificar a minha vida. Quando vou a Lisboa, faco raides a lojas, restaurantes, bares, etc. e depois volto para a minha "simple life" e sabe-me muito bem. Nao vou ficar aqui a vida toda, mas neste momento estou feliz.

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  5. Adorei este post! Um dos meus preferidos.

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  6. Não sei se me daria bem a viver definitivamente numa aldeia assim tão calma, mas é bem verdade que hoje dou muito mais valor a estes ambientes do que dava há uns anos atrás. Também eu, quando ia para a aldeia onde o meu pai nasceu, me sentia longe de tudo e tinha aquela sensação - que não era só sensação...! - de que não havia nada para fazer. Mas hoje em dia sabe-me pela vida ir lá passar uns dias. Aquela calma, aquele ar, aquela paisagem... Enfim. É pena que actualmente seja preciso pagar um dinheirão em portagens para lá chegar - ou o equivalente em gasóleo - e não dê para ir lá com a regularidade que gostaria.

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  7. muito bom texto. adorei

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  8. Sabe muito bem sair de vez em quando da cidade. Desligar-nos do mundo e relaxar e desfrutar da calma da aldeia. :)

    Vanessa S.
    De Saltos por Lisboa,
    desaltosporlisboa.blogspot.pt

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  9. Assim sim, vale a pena vir até aqui ler algo que nos inspira e também faz recordar, outros locais, outras ferias, outros amores de Verão... assim sim!

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  10. Só de ler já dá vontade de fugir uns dias para a aldeia. Boas férias :)

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  11. Agora imagine essa aldeia... mas sem praia! ( Gosto de campo, tanto como ou até mais do que praia. A diferença é que por mais pequena e deserta que for uma aldeia, se for no litoral, sempre há outro movimento. Enfim, considerações de quem passou verões da infância na Beira Alta. )

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    1. É isso mesmo. Queria ver a Pipoca numa aldeia e sem praia, seria assim tão in?!

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    2. Sou uma miúda de 17 anos que vive na vila (sempre é um pouquinho maior, tem rede e net mas o movimento também é pouco). Não há praia, apenas temos a barragem e a piscina municipal.
      Adoro as férias na praia e quero muito ir estudar e trabalhar para fora mas ninguém tira o amor e a paz que esta terra me traz.

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  12. Não sei, mas as aldeias portuguesas são apetitosas!

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  13. Texto maravilhoso :) Como pessoa que se alimenta de stress e vida agitada, não sei se conseguiria render-me a mais de uma semana por ano. Mas quem sabe.

    Boas férias!!

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  14. Retrato o mesmo, sou de Setúbal mas tenho casa em Aljezur..as vezes pergunto o mesmo, n gostava e agora gosto, ja tenho um filho, estou mais velha mas tb n consigo viver sem o meu ritmo da cidade.. Faz-me sentir viva mas nestas vilas desfrutamos o tempo, as praias, o sossego.. Acho q tenho tb a sorte de estar ora entre o campo ou na cidade..este "envelhecimento" das vilas as vezes deixa tristeza mas o q e certo e q muitas pessoas novas estão a vir para cá e até abrem negócios.. Vive-se de uma forma mais simples mas a vida tem mais qualidade..

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  15. Sou uma sortuda por viver num lugar assim... Trabalho na cidade mas o meu refúgio é no sossego da aldeia... A viagem diária é uma chatice mas assim que chego ao nosso cantinho compensa tudo! Boas férias...

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  16. Engraçado.. leio e sinto a mesma coisa! Conto os dias para ir à aldeia, ver os meus pais, ver a família e o Ti Zé, a Ti Ana..todos os tios e tias que não são mais que vizinhos numa aldeia tão pequenina quanto 10 campos de futebol.
    Não se passa nada.. a rede é péssima.. só temos 4 canais na tv e uns quantos canais espanhóis perdidos por ali.. Os passarinhos acordam-nos todas as manhãs.. Vai-se ao quintal colher a fruta e os legumes para o dia..
    É pena ter os meus pais tão longe.. é pena só haver autocarro que demora 6 horas a chegar.. mas é assim.. a saudade faz-nos sorrir e aproveitar ainda mais os dias que estamos lá.
    Obrigada por este texto.. é bom saber que não estamos sozinhas.

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  17. Cada vez mais gosto de passar alguns dias no campo. Para repor energias é do melhor. Agora viver lá... já não sei!

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  18. Quando te referes a aldeia, referes-te à Manta Rota?! "Mas a net funciona mal, o telemóvel quase não tem rede, é impossível esquecer que se está na aldeia." ?!? Exagero!

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    1. que interessa se está na manta rota ou se está num subúrbio a 10 min de lisboa...o que interessa é que está num sitio menos citadino e o que é realmente importante é o texto e o que a pessoa que escreve quer fazer dele..a imaginação leva onde tem que levar...

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    2. Manta Rota? A pipoca precisa de ir a uma aldeia à séria!

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    3. A manta rota nem sequer é uma aldeia. A Pipoca está, provavelmente, a falar de Cacela Velha ou outra do género ali perto. Ela só disse que ia à praia de Manta Rota, não que vivia lá! --'

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    4. Pela minha descrição, parece-me ser óbvio que não estou a falar da Manta Rota (para quem conhece a Manta Rota, claro).

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  19. com saudades da pasmaceira da aldeia, cá no prédio parece que toda a gente decidiu fazer obras hoje é tudo a martelar!

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  20. Não está a falar de manta Rota, certo? mas de uma aldeia perto, é que Manta Rota tem mais de 3 cafés, e é um bocadinho mais movimentada que isso. ahaha, pouco, mas é.

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    1. Dever estar a falar da Lota!! É ao lado da manta-rota!

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    2. Também pensei o mesmo... pois na Manta Rota, apesar da calmaria, ainda há uma zona central de cafés e restaurantes, para não falar de outros cafés mais fora... Pipoca afinal onde fica a tua Manta Rota? :p

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  21. Dos post mais bonitos que escreves-te. Talvez porque me identifico tanto com ele.
    Visito-te todos os dias, mas nunca comento. Quando te vejo na tv, acho-te um bocadinho snob, no entanto, gosto como escreves, de uma forma descontraída (que nada se identifica com a tua imagem visual) e por isso te sigo.
    Também tenho um cantinho assim, e vou lá, não só uma vez por ano, mas todos os fds que posso. Não é ao pé da praia, mas sim no interior de uma mini aldeia no Alto Minho. Aqui acordo com o galo a cantar "bom-dia" e com o tintilar dos sinos das ovelhas e vacas a passar fora da n/ porta. Também se contam as pessoas pelos dedos e são quase todos idosos, porque os filhos emigraram para conseguir emprego e (dizem) melhor vida. Para atravessar a rua principal demoro a tarde toda, porque encontra-se sempre alguém para conversar (isto no bom tempo, porque com a chuva também não se vê ninguém), conversa-se de tudo e de nada de interessante, mas não me chateiam nada, porque adoro. Entretanto também há quem mande entrar para beber um copinho do vinho, orgulhosamente deles, já expliquei mil vezes que não bebo, mas pronto, para bom grado deles, lá bebo um golito e digo que é espectacular. Mas há noite, aí sim, depois de deitar a minha bebé Maria, é aí que faço o reset ao cérebro e à alma. Sento-me cá fora no banquinho e não se ouve nada, absolutamente nada! Nem os cães ladram! É, de facto, maravilhoso ter um cantinho assim...
    Desliga o tlm, porque tens tempo depois para fazer posts eaproveita para fazer o teu reset.
    Beijo

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  22. Muito bom. A Pipoca, quando quer, sabe.

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  23. Revi-me tantooo no teu texto hoje :)
    Quando era miúda ia para Cacela e para a Manta Rota todo o Verão, parecia que os meus pais me estavam a arrancar da vida social...
    Hoje anseio por férias assim... Onde nada se passe além do mar, umas havaianas, um vestido de praia e um bom livro!!
    Boas férias :) bjs

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  24. Adorei o teu texto Pipoca.
    Na verdade, penso que nunca sairás da cidade. Uma pausa é boa, mas como tu mesmo referiste, quando sabes que é uma vez por ano e por tempo limitado. Aí está o encanto....

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  25. Há aldeias assim.
    Tão bonitas como descreveste esta.
    Um pouco mais agitadas, com vidas um pouco mais ofegantes.
    Onde há gerações completas.
    Mas que ainda assim respiram a calma e o ar puro.
    Amizades. Convívio. Aqueles "bom dia" e "boa tarde Sr. Zé e Ti' Aurora", que nos revitalizam, que nos enchem o coração.
    Há aldeias assim.
    Onde o tempo não passa, mas a vida prossegue.
    Onde não se fala de crise, onde se trabalha na cidade, onde se fala mal da vida alheia, mas onde se é feliz (e muito!) com a felicidade da vida alheia.
    Onde se choram os filhos da terra, sem precisarmos de chorar pela primeira vez na vida o filho da Judite de Sousa. Quantos e quantos estas aldeias não choram! Como se fosse seus, como se a aldeia fosse o ventre, de todos os filhos da terra.

    Onde não se gabam os filhos que estudam no British, não se competem as notas do colégio dos Maristas, onde nem se tratam os netos por "você João Maria".
    Onde não se bate à porta, nem se faz marcação para visitas à casa do amigo. Ou do vizinho ou da Tia Felismina.
    Onde se dão ovos, couves, limões, salsa e coentros. Do mais saboroso e cheiroso que há! Onde não se sabe que a agricultura biológica e os sumos detox estão na moda.
    E não se espera pela troca. Essa há-de chegar, um dia destes, quando precisarmos que o Senhor António nos faça aquela pintura na parede, que tanto estamos a precisar.
    Nestas aldeias assim ... a vida corre mais devagar, mas prossegue. Com a pressa de quem lá vive tão intensamente como a de outro lugar qualquer.

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    1. Texto absolutamente maravilhoso.
      E sim, ainda existem aldeias destas, graças a Deus!

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    2. Thanks :) A vossa"casa" está na minha wishlist de férias :)

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  26. Gostei muito e também reparei que os comentários anónimos que habitualmente são do contra ficaram (quase) de fora. Aleluia!

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  27. Nada como a tranquilidade das pequenas aldeias! Nem que seja só por uns dias.

    letrademedico.blogs,sapo.pt

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  28. Eu sou precisamente o contrário... desde pequena que me diziam "quando fores mais velha vais ver se nao queres é o campo/aldeia"... hoje tenho 24 e não sinto esse apelo de forma alguma, nem para viver nem para férias. De todo. Preciso de ter pessoas, barulho, movimento de noite e dia à minha volta e gosto mais de cidades efervescentes 365 dias por ano em vez da pasmaceira e das sestas à tarde :) (nao sou do contra, é só uma opinião)

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    1. Eu também pensava assim com 24 anos. Dez anos depois as coisas mudam.

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    2. Esse comentário podia ter sido escrito por mim, ainda este fim-de-semana estive no interior do país e hoje tive de ir dar uma voltinha por Lisboa, ouvir barulho, ver pessoas, etc. Quiçá a Pipoca tenha razão, e daqui a dez anos eu e a anónima das 15:29 mudemos de opinião, mas aos 24 anos é difícil :)

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  29. Olha que a ler o teu post, Pipoca, ia jurar que estavas a falar da Comporta. Pelo menos fez-me recordar o sítio desde a última vez que lá fui, quando o meu avô ainda lá morava: Exactamente a mesma coisa, mais movimento de manhã, praia ou sesta à tarde e ver os velhotes de conversa no largo ou aos portões de casa.

    Bolas e logo agora que tenho andado a contar os dias para as férias... Que nostalgia.
    Beijinhos grandes (:

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  30. Percebo-te mesmo bem...há tanto frenesim na cidade que uma estadia num sítio mais calmo onde pouco se passa, onde se ouvem os passarinhos e os galos de manhã e onde não há net, não há rede de telemóvel e só há quatro canais na TV, às vezes é um luxo bem maior que todas as comodidades da cidade, se tudo o que precisamos é descansar.

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  31. Querida Pipoca, antes de mais fica marcado um café para a menina atualizar-se.

    Realmente também gosto muito de estar nesta aldeia ....ouvir os passarinhos, passear pelo campo, a praia não está longe e por uns tempos consigo desligar-me da agitação das cidades, que por certo também gosto.

    Mas na verdade a maioria "dos mais novos" casaram e ficaram por cá. Quando querem divertir-se saem para onde existe a animação.

    A mercearia ( já não existe...ai ai ai ....), mas existe o transporte comunitário todos os dias, o padeiro passa mais do que 2x por dia.....uma costureira, o barbeiro ainda funciona e é muito frequentado....um Centro de Investigação com exposições educativas e workshops, tanto para adultos como para crianças....e não falemos nos "famosos" que gostam de parar por cá nesta época de verão....como alguns moranguitos, o ator João Ricardo e entre outros temos a querida Leonor Poeiras.

    Não te preocupes, o Mateus vai ter muitos amiguinhos com quem brincar, porque residem neste momento 25 crianças na aldeia, sem contar com as que aparecem habitualmente a visitar a casa dos Avós.

    E fora o contar os carros, não podemos nos esquecer que também contam os aviões.

    Mas assim é a vida da aldeia….pacata e divertida : ) Até breve!!!!

    B.

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