Pub SAPO pushdown

terça-feira, março 11, 2008
Mas afinal qual é que é o teu problema?

Não há volta a dar: não há um ser neste planeta que não tenha problemas. Era algo de que eu já desconfiava, mas dei por mim a reparar mais nisso nas últimas semanas. Talvez por achar que todos os "problemas" do mundo me tinham caído em cima e que ninguém lhes estava a dar a devida atenção. Ninguém me passava a mão pelo lombo. Ninguém me levava a comer um gelado. Ninguém me tentava distrair. Ninguém se compadecia da minha dor para dizer "é verdade, sim senhora, és uma mártir".
A verdade é que ninguém tem tempo para os meus problemas. Do mesmo modo que eu não tenho tempo para os problemas de ninguém. Porque, na verdade, não são problemas. São trivialidades. Que nos chateiam, que nos aborrecem, que nos deixam triste, que parecem imensas, mas que não passam disso mesmo: trivialidades. E por isso ninguém lhes liga tanto como desejaríamos.

Eu acho que tenho um problema porque sinto falta de amor
Ela tem amor, mas queixa-se de dores no estômago
Ele tem um estômago que funciona às mil maravilhas, mas está farto do trabalho
Ela adora o trabalho, mas diz que ganha mal
Ele ganha fortunas, mas não tem tempo para ir de férias
Ela tem tempo para ir de férias, mas não tem com quem
Ela tem com quem, mas não gosta do corte de cabelo
Ela tem um cabelo fantástico, mas diz que está gorda
Ele está em forma, mas odeia o ginásio
Ela queria ir ao ginásio, mas não tem dinheiro
Ele tem dinheiro, mas a namorada fartou-se, arranjou outro
Ela é fiel como um cão, mas já não gosta dele
Ela tem um casamento de sonho, mas bom mesmo era se tivesse mais filhos
Ela está à espera do primeiro filho, mas estar grávida é uma chatice pegada

TODA a gente se queixa de qualquer coisa, por mais perfeita que seja a sua vidinha. Que se chegue à frente aquele que acha que tem uma vida maravilhosa e que não mudava nada de nada, que assim é que ela está boa. E isto leva-me a fazer uma coisa que já muita gente me aconselhou, mas que eu achei que era parvoíce: relativizar. Dar menos importância aos problemas que gosto de inventar para minha vida. É que, bem vistas as coisas, que problemas é que eu tenho? É óbvio que tenho alguns mas, comparando com quem tem daqueles à séria, o que é que os meus importam?

Tenho sítio para viver? Sim.
Tenho uma família que se preocupa e que nunca me faltou? Sim.
Tenho amigos? Sim.
Tive acesso a educação e a oportunidades que muito boa gente gostaria de ter e não teve? Sim.
Tenho um carro para dar as minhas voltas? Sim.
Tenho dinheiro para as minhas merdas? Sim.
Tenho muito mais do que aquilo que preciso? Sim.
Tenho trabalho? Sim.
Faço aquilo que quero e que gosto? Sim.
Tenho saúde? Sim.
Tenho discernimento para fazer boas escolhas para a minha vida? O suficiente.

É claro que à frente de todos estes "sim" se poderia acrescentar um "mas". Sim, tenho dinheiro, mas podia ter mais. Sim, gosto do que faço, mas não gosto todos os dias, e às vezes farto-me e mentalmente, ameaço bater com a porta. Sim, tenho sítio para viver, mas preferia ter um espaço só meu. Se me dedicar a isso, a minha vida é um gigantesco "sim, mas...". Tenho 27 anos. Qual é o meu maior problema? Não ter namorado? É isso que me faz sentir triste e amargurada? Isso é tão importante como o cabelo da minha amiga, que não está como ela quer. Ou seja, não interessa nada. Eu sei que o cabelo dela vai crescer e ficar giro outra vez (que já está giro, é só fita dela), e ela não liga nenhuma à minha tristeza, porque sabe que não é eterna, que não vou morrer à conta disso (nunca morri!), que não sou marreca nem burra, que dificilmente ficarei sozinha. Mas são estas as nossas dores momentâneas. O cabelo dela, a minha tristeza-ninguém-me-pega-porquê-a-mim-oh-infelicidade. São parvas, são ridículas, são insignificantes quando comparadas a tantas outras, daquelas mesmo à séria. Mas são as nossas, e é por isso que doem. E toda a gente sabe que a nossa dor de dentes é maior e mais trágica que a fome no Ruanda.

O que eu sei é que ando com muito menos pachorra para os problemas. Para os dos outros (apresentem-me dramas à séria, não me chateiem com "não tenho nada para vestir") e, sobretudo, para os meus. Acho que passei demasiado tempo a dar-me importância excessiva. Eu, que sou a drama queen das drama queens. Tudo é o fim do mundo, tudo é de me atirar à cama, em pranto. E, olhando para trás, o que é que isso adiantou à minha vida? Assim de repente, foi... nada? As horas que passei a maldizer a minha vida podiam ter sido passadas a ler. A ver dvds. A ir ao cinema. Ao teatro. A exposições. A jantar com as amigas. A conhecer gente. A dançar. Que não faz esquecer onde nos dói, que não faz, mas atenua, que atenua. Sou a prova-viva daquilo que dizia há tempos. Fecha-se uma porta, daquelas mesmo pesadas, com estrondo. E logo a seguir, sem se esperar, aí está uma janelonga do tamanho do mundo, que nos faz arrepender de ter andado a maldizer a vidinha e nos obriga a agradecer muitas e muitas vezes por tudo aquilo que nos vem parar à mão, às vezes sem esforço nenhum. E talvez seja isso que me faz pensar que não me posso demorar muito a achar que tenho problemas os piores problemas do mundo, muito menos a chorá-los, porque a energia é necessária para usar nas coisas boas que aparecem e pelas quais agradeço de mãozinhas juntas. Não tenho problemas, tenho acidentes de percurso. Alguém não tem?

Relativizar é a palavra de ordem esta primavera-verão.

1 comentário:

Teorias absolutamente espectaculares

AddThis