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sábado, novembro 25, 2006
Portugal, a country next to Spain

Às vezes tenho vergonha deste país de estradas assassinas, onde morrem aos três e aos quatro à vez, onde se bebe mais que a conta, porque a viagem era curta e nem sequer valia a pena pôr o cinto, quanto mais ter um seguro. Um país onde fim de semana sem bola é fim de semana perdido, pegar num livro nem pensar, que tem demasiada folha e palavras para mastigar. Diz que a cultura está cara, o teatro é um luxo, mas olha o Coliseu tão cheio para adorar as Floribella desta vida. Um país que não aguenta três pingos de água, tudo se entope, e quem não tem barco não vinga. Se chove vão-se as colheitas. Se faz sol também. Depois chega o Verão e sentamo-nos em frente ao ecrã. "País em Chamas" é o filme. Parte 25. O país dos inquéritos pós-desgraça, das providências cautelares, do para o ano é que isto se resolve, das investigações megalómanas, tão justiceiras, que, invariavelmente, caem em saco roto. O país dos conformados, subservientes, do "vai-se andando, como Deus quer", do cafézinho, do copinho d'água, do se não for incómodo. O país dos feriados e das pontes, abençoados sejam, que tanto jeito dão para ir à terra, porque as horas de emprego são muitas, as de trabalho nem tanto. Da violência. infantil, doméstica, de homens contra mulheres, de mulheres contra homens, dos jovens e dos velhinhos. O país do salário mínimo mais mínimo, das cambalhotas orçamentais para que chegue para o passe, para as contas, pró tabaco, para a Playstation do mais novo e para uma esmola semanal ao pobrezinho de estimação, tudo para a remissão dos pecados. O país do “hádes” e do “fizestes”, que o português não dá para mais, e mais aulas é má ideia, que as criancinhas de hoje são frágeis, desconcentradas, qual má educação, qual quê, são é hiper activas e sobredotadas, coitadinhas, que nenhuma mão se atreva a aproximar-se em jeito de palmada. O país do não ao aborto, tão feio e pecaminoso, antes ter doze filhos e não ter que lhes vestir. O país da televisão fácil, da piada fácil, do choro fácil, do pensamento fácil, porque os gostos educam-se, e a educação é uma prioridade governamental, mas ninguém está para aí virado. Dos centros comerciais que surgem como cogumelos e que aos domingos são a meca da família classe média, que até podemos não comprar nada mas sempre se alegram as vistas. O país das auto-estradas de gosto duvidoso, que atropelam casas e o pouco verde que há, com portagens surpresaaaa!!!!, ai acreditou que não ia pagar? O país que celebra um desemprego de 7,4%, menos uma décima que no ano anterior, haverá alegria maior. O país do foi-me morrer logo agora que tinha uma vaga tão boa no bloco operatório e nem tinha que pagar taxa moderadora. O país em que os bons emigram, espertos, porque para ser reconhecido aqui há que o ser primeiro em Madrid, em Londres, Nova Iorque, Lanzarote. O país do jet-set decadente, alpinista, oportunista, cor-de-rosa escuro, muito escuro, quase negro, o beautiful (?) people mais esticado que uma corda de guitarra. O país do crédito à habitação, ao carro como o do Figo, ao casamento, ao guarda-roupa, às prendas de Natal, ao cão com pedigree e às mamas 38. O país das cunhas, tão úteis, tivesse eu uma!, da ascensão directa e horizontal. O país que adora a desgraça do vizinho, tragédia sem mortes -muitas- não conta, há que parar para ver o acidente, tragam-nos uma cerveja e ninguém arreda pé. O país onde todos cantam, todos dançam, todos lançam livros, todos têm um qualquer talento que vale a pena aplaudir. O país do encolher de ombros, do é o que se arranja, do é este o país que temos, antes isso que partir uma perna.

6 comentários:

Johnny disse...

Escreveste isto em 2006 e repara como continua actual. É triste. O país podia desenvolver-se, mas para isso as mentalidades também.

Sissi disse...

Parece que sim, que continua tudo igual.....só o desemprego mudou......para pior :(

Ai que desgrácia disse...

Adorei o texto. Parabéns... estamos em 2011 e permanece tudo igual... é triste...

Anónimo disse...

Dos melhores que já li no Pipoca mais doce... passados 7 anos e continua super actualizado (com algumas coisas deveras piores!).

Anónimo disse...

È triste mas é verdade, sinto que não sou daqui...

Anónimo disse...

2017...

Rita

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