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quinta-feira, novembro 30, 2006
Here we go again...!

O referendo sobre o aborto já tem data marcada. 11 de Fevereiro. É a um domingo, no Inverno, por isso não há cá a desculpa do “preferimos ir para a praia”. Até lá, e qual campanha para a presidência da junta de freguesia, teremos que levar com as associações pró-vida e com as associações pró-escolha numa alegre distribuição de panfletos pelas ruas, como se alguém decidisse a sua vida assim, num espalhafatoso carnaval de ideias opostas em que cada um puxa a brasa à sua sardinha.
Não sou a favor do aborto. Acho que ninguém é, nem mulher nenhuma considerada normal encara o aborto como um método contraceptivo. Nenhuma mulher pensa “não faz mal se engravidar, posso sempre fazer um aborto”. Mas sou a favor das oportunidades de escolha, sou a favor de que a hipótese possa, ao menos, ser equacionada, sou a favor de que uma mulher possa não querer ter um filho (sejam quais forem os motivos) e que, por isso, não seja praticamente apedrejada em praça pública nem alvo de uma política de moral e bons costumes completamente desfasada da actual realidade.
E por isso me consome até às entranhas receber mails como um que recebi um destes dias. Porque nestas alturas o que não faltam são exemplos de famílias felizes, famílias que passaram muitas privações, mas que escolheram a vida, que não “mataram” um filho (estremeço cada vez que ouço esta expressão). Óptimo para eles, que continuem a procriar e a trazer ao mundo rebentos lindos. Mas não façam disso um cavalo de batalha, porque cada caso é um caso, porque eu não tenho que ter a vossa força de vontade, a vossa predisposição ou o vosso amor para dar a um filho que posso não querer.
O mail que me chegou era de uma mãe de três crianças, uma delas com trissomia 21. Diz a senhora que quando soube, teve a oportunidade de escolher, porque a lei permite o aborto em casos destes, mas que lhe começou a pesar na consciência o sentimento de “poder “anular" uma vida à vontade”. “Tudo isto porque ela não é normal...é diferente, tem um atraso mental que nunca a vai deixar tirar um curso superior, casar e ter filhos...por estas razões eu posso matá-la. A sociedade apoia, paga e assina por baixo!”, continua a dita senhora.
O facciosismo que este tema gera é verdadeiramente assustador. Recorre-se a todos os argumentos para mobilizar a opinião pública. É assim porque tem que ser, e mais nada. Se eu pude ter uma criança deficiente, porque é que o resto do mundo não pode? Será que é por o RESTO DO MUNDO não ser igual e ter opinião própria? Será?
O mail desta senhora é “compreensivo” até certo ponto. Escolheu ter a filha em vez de “a matar”, está feliz da vida, até aqui tudo muito bem. Mas depois entra no campo do disparate e dos argumentos absurdos. Não posso deixar de copiar um excerto, porque se fosse explicá-lo por palavras minhas certamente me escaparia um outro palavrão:

“A pergunta que nos vão fazer é, (esqueçam o que os a favor chamam "despenalização" e os contra "liberalização"): Qualquer mulher (pobre ou rica, com ou sem problemas) se não quer ter um filho pode matá-lo até às 10 semanas de idade? Sim ou não? Podem ou não?

Comecei a pensar...há tanta gente que tem pena destas mulheres...eu também tenho....elas não queriam engravidar....não têm dinheiro...não têm casa....são drogadas...têm 15 anos...qual a solução? Matar o filho, claro!

Lembrei-me depois, no seguimento deste raciocínio, que há outras mães nessas condições....lembram-se da mãe da Joaninha? Aquela mãe que matou a filha de 5 anos e que está presa? E que Portugal INTEIRO se revoltou contra ela? Mas ela, coitada, também não tinha condições de ter a Joaninha...perdeu o emprego, não conseguia ajudá-la...e achou que para ela ter uma vida assim, mais valia matá-la, no fundo era um acto de amor e proteger a sua filhota de sofrer.... E dentro do mesmo contexto, achou bem. Matou-a, provavelmente ela não deu por nada, tal como os bebés na barriga, e acabou-se o problema.

São 2 casos idênticos, mas vocês reagem de maneira diferente....é engraçado....num revoltam-se...noutro, ainda estão a pensar nas pobres mães que não os podem criar. QUAL É A DIFERENÇA????

A diferença é que vocês viram a cara da Joaninha na TV, sentiram-se "atingidos e sensibilizados" e o bébé de 10 semanas não o viram. É mais fácil matar quem não se conhece a cara. É cobardia. O coração bate em ambas.

Pensem bem...2 mães que matam os seus filhos pela mesma razão.”

Juro que tive que ler isto quatro vezes para poder acreditar que esta senhora estava, de facto, a comparar um aborto à monstruosidade de matar uma criança de cinco ou seis anos, de a cortar aos bocados e a enfiar sabe Deus onde. A mãe da Joaninha não a matou por ter pena da filha, por não ter nada para lhe dar de comer, por não ter que lhe dar de vestir. Matou-a num gesto de crueldade, por a criança ter visto talvez mais do que era suposto. Acredito que não tivesse mesmo condições para ter a filha. E por isso, talvez não tivesse sido má ideia ter abortado a Joana. Porque para a trazer ao mundo, lhe dar uma vida de merda, e a matar como matou, mais valia que nunca tivesse nascido.

A senda de idiotice continua por mais uma ou duas páginas, num mail interminável, com muitas letras maiúsculas e pontos de exclamação. “NÃO MATEM OS VOSSOS FILHOS!”; “ESCOLHAM A VIDA!”. Gosto de ver como a obsessão das pessoas lhes tolda (e estupidifica) o pensamento. Querem ter filhos? Tenham! Não querem, não podem, acham que vão ser maus pais, nem sequer gostam de crianças? Não as tenham! A despenalização do aborto não é uma porta aberta para que as mulheres comecem a correr em bando para os hospitais. É apenas mais uma escolha, um modo de tornar legal e seguro o que se continuará a fazer, aqui ou em Espanha, por balúrdios ou por dez euros, em condições ou num matadouro.

1 comentário:

Anónimo disse...

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Teorias absolutamente espectaculares

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