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quarta-feira, dezembro 30, 2009
A D. Salomé

Na primeira vez que fomos ver a casa sozinhos, já depois de a termos decidido alugar, tivemos de pedir a chave à D. Salomé, a porteira que vive na cave. A senhora foi um amor, disse que ajudava no que fosse preciso, que podia guardar coisas lá em casa, etc etc. Iniciámos a escalada até ao terceiro andar e, pelo caminho, encontrámos a vizinha do segundo, que nos disse "a D. Salomé é muito boa pessoa, mas já está assim um bocadinho maluca". Não levámos a senhora muito a sério, até porque foi a mesma pessoa que assim que viu os meus sapatos me disse "a menina a ver se tem cuidado a andar com esses saltos lá em casa, porque aqui em baixo ouve-se tudo, hã? Fica mesmo por cima da minha cabeça". E foi a mesma pessoa que quando soube que o meu homem tinha uma criança de dois anos lhe disse "a ver se ele faz pouco barulho, senão vou lá e mato-o". Ficámos logo a perceber que quem não batia muito bem era a vizinha, e fingimos que não percebemos quando ela disse que era enfermeira reformada, que se fosse preciso alguma coisa bastava bater à porta. Hã, hã, espera lá que já vou ter contigo para me dares uma injecção, sua velhinha psicopata.
Bom, mas falava eu da D. Salomé, a porteira. Nas primeiras noites que dormimos na casa o meu homem queixava-se que ouvia um galo. Eu achei que devia estar a alucinar, dei-lhe uma pancadinha na cabeça e disse "sim, sim... um galo... pois... eu também costumo ver passar pinguins, mas dura só alguns segundos". Claro que isto era no tempo em que eu dormia que nem uma pedra, um pequeno anjo de cabelo alourado. Entretanto vieram as insónias e comecei a ouvir os cabrões dos galos. Que cantavam à uma, às duas, às três, às quatro, às cinco, às seis, às sete e às oito. Ao fim de alguns meses, o meu homem achou que era altura de fazer queixa ao senhorio, dizendo-lhe que ou os galos desapareciam ou tinha de nos pôr vidros duplos no quarto. Da varanda da cozinha ainda tentámos vislumbrar onde raio estavam os bichos, mas o arvoredo no quintal da senhora não deixava ver nada. Ou seja, a hipótese de nos armarmos em atiradores furtivos caía por terra. O senhorio lá falou com a D. Salomé, e passou-nos a mensagem que ela ia matar seis dos SETE galos que tinha no quintal. SETE galos! Em pleno centro de Lisboa, como se estivéssemos numa aldeia remota de Trás-os-Montes. Fiquei com uma certa pena da bicharada chacinada mas, nas primeiras noites a coisa parecia, de facto, muito calma. Ouvia-se um galo de vez em quando, mas assim uma coisa remota. Mas, ultimamente, voltámos ao mesmo inferno, galos a cantar a toda a hora. Eu desconfio que a D. Salomé fingiu que matou os bichos, amordaçou-os em casa, e agora vai soltando um de cada vez, assim como quem não quer a coisa. E quem é que dorme descansado com galos a cantarem a cada meia hora?? Hmmmm??? Como se não bastasse, a D. Salomé ainda acha que é uma excelente ideia arrastar os caixotes do lixo algures entre as duas e as quatro da manhã. Nunca vi uma pessoa com tamanha obsessão pelos caixotes do lixo. Nem pensar deixá-los na rua, não vá algum larápio roubá-los. Por isso lá vai ela a arrastá-los antes de o camião passar e depois volta a recolhê-los. Faz barulho? Faz, mas o que é que interessa? Todos os dias vejo a mulher, mas não tenho coragem de lhe dizer nada. Até porque, efectivamente, ela não joga com o baralho todo. Ainda há dias me encontrou nas escadas pela 43ª vez e perguntou "é uma das meninas que mora no primeiro andar, não é?". E eu lá lhe disse que não, que era do terceiro. Posto isto, resta-me viver com este drama urbano que são os galos. Ou isso ou atirar-lhes milho envenenado pela janela. Já estive mais longe.

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