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domingo, abril 05, 2009
Pêlo na venta e lágrima fácil

(texto publicado no Lux-Frágil, nº7)

Um estudo diz que os metrossexuais têm os dias contados e que o que está a dar agora é o neossexual, um homem que fica ali entre o troglodita e o excessivamente efeminado. Será?

Uma conhecida marca de desodorizantes achou que manter as axilas do povo arejadas e cheirosas não era missão suficientemente intrincada e, como tal, aventurou-se num projecto muito mais arrojado: perceber que tipo de homens é que as mulheres gostam. Ora para descobrir tal coisa, a marca realizou um estudo em 14 países do mundo. Portugal ficou de fora, as Filipinas entraram. Tudo bem. Podemos falar de fado e até damos uns toques na bola, mas, ao que tudo indica, homens não é o nosso forte. Paciência.
As conclusões, como quase tudo o que deriva de uma generalização massiva, deixam-me dúvidas. Primeiro ponto: 59% das mulheres dizem estar pelos cabelos com os metrosexuais. Ou seja, os homens que levam tanto ou mais tempo do que elas a arranjar-se, e que empenham mais de metade do salário em anti-rugas, máscaras faciais, sessões de solário e depilação a partes do corpo que raramente vêem a luz do dia.
Aqui balanço, porque desconfio de que estamos perante um típico caso de feitiço que se virou contra o feiticeiro. Quem é que lutou anos a fio pelo fim do champô 2-em-1 no chuveiro deles? Nós! Quem é que começou a torcer o nariz aos peitos felpudos tipo Tony Ramos? Nós! Quem é que lhes explicou que os pontos negros se podem combater? Nós! Quem é que lhes revelou as maravilhas que um bom creme hidratante pode fazer pela pele? Nós! Quem é que insistiu que não há cheiros naturais agradáveis e que o perfume é obrigatório? Nós! E agora vimo-nos queixar?
Introduzimos uma data de procedimentos na rotina higiénico-estética dos homens e, claro, eles não conseguem acompanhar tanta inovação. Tudo leva horas, tudo requer uma vida. Em média, um metrosexual daqueles mesmo à séria, deve demorar umas boas três horas até sair de casa. Imune, claro, aos gritos e lamentos da pobre mulher, que tudo o que quer é meia horinha em frente ao espelho da casa de banho para passar de monstro a bela (aquela coisa de que há mulheres que acordam frescas, penteadas e com bom hálito não passa de mito cinematográfico).
No fundo, queremos o melhor de dois mundos: homens cheirosos, macios e de boa cara, mas que o consigam fazer em tempo útil. E, sobretudo, que não falem demasiado sobre o assunto. Ouvir dois homens a discutir qual é a melhor pedicura ou a quanto é que está a lipoaspiração é meio caminho andado para um turn off irreversível.
Segunda conclusão: 80% das mulheres quer um homem sensível mas que demonstre o seu lado viril e másculo. Ou seja, um homem auto-confiante e determinado, mas que não se proíba de ter valores emocionais, e ainda que ofereça flores à sua mulher e continue a amá-la apaixonadamente. Palavras do estudo, não minhas. É que quer-me cá parecer que isto é um bocadinho como o Kinder Surpresa. São desejos a mais. 80% das mulheres quer, basicamente, tudo. Que o homem saiba o que quer da vida e não seja apanhado a ler “O Segredo”, que consiga derramar uma lágrima numa comédia romântica de domingo à tarde, que encha a casa de rosas e, já agora, que continue a acartar com os sacos das compras e que largue uns palavrões ao ver a bola, como prova da sua masculinidade. Eu, que não ando nisto há muito tempo, já percebi que na vida há que fazer opções. E sei que homens assim… não existem. Poderá haver um lá para Trás-os-Montes, dois ou três em Lisboa, quem sabe meia dúzia nas ilhas, mas não são uma espécie em abundância. E, assim de repente, que graça é que tem a perfeição? Não descamba sempre no tédio precoce?
Terceira conclusão: 85% das mulheres afirma que o que a seduz mais num homem é o beijo apaixonado, a determinação quando as levam para a cama, e a forma como as fazem sentir sensuais e desejadas. Pois, pois, tudo muito bonito, não fossem os homens (alguns, alguns) capazes das maiores patranhas para conseguirem enfiar uma mulher nos lençóis (ou no carro, ou na casa-de-banho do centro comercial). Beijos apaixonados todos conseguem, o pior é o resto. Ou melhor, o pior é o depois, quando o arrebatamento “baixou” e há que escapar de fininho, com a promessa de um telefonema em breve.
Em suma: diz o estudo que uma nova identidade sexual está a emergir, e que vêm aí os neossexuais. Ou seja, um homem que fique ali a meio caminho andado entre o troglodita e o excessivamente efeminado, que não arrote à mesa mas que também não saiba de cor mais de dez marcas de cremes. Um homem normal, arrisco eu, com todo o peso que a normalidade exige (e que é muito).
Não sei se os neossexuais vão vingar, até porque não sei se percebi bem o conceito. Suspeito que vamos estar a contribuir de forma dramática para a esquizofrenia masculina, num minuto a dizer que os queremos viris e mauzões, no minuto seguinte a dizer que têm de ser sensíveis e bons meninos. É que se já passam a vida a achar que somos demasiado complicadas e impossíveis de decifrar, temo que a partir daqui desistam. Sem passagem pela casa de partida.

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