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segunda-feira, agosto 25, 2008
Das amizades I





















Soube hoje que as amizades têm prazo de validade. Eu já desconfiava, mas pensava que era uma coisa que acontecia involuntariamente. Do género, eu não ligo, tu não ligas e, vai-se a ver, o tempo passa sem se dar por isso e um dia deixou de fazer sentido. Cada um à sua vida. O que não sabia é que há amizades que têm o dia do fim marcado. Tipo consulta médica. Mais um bocadinho e até se conseguia ditar a hora precisa em que uma amizade vai acabar. Hoje acabámos a nossa. Eram dez e dez. Se calhar teria acabado mais tarde se, às vinte e três e catorze, eu não tivesse respondido assim. Mas não me apeteceu. Porque as amizades não se cobram, mas também não se releva tudo, ah, pois não. À sexta, décima falha, só me pode sair um “não estou para te aturar”. Porque não estou. Mesmo. Porque no meu jantar de anos o lugar à minha frente ficou vazio, e não houve sequer uma mensagem que explicasse porquê. Porque perdeste o telefone sete vezes, porque estiveste em baixo oito, porque houve a febre tifóide do amigo, a doença da tia-avó, os esquecimentos, as ressacas, as mudanças de humor, as faltas de apetite, os eternos – e tão literários - desejos de solidão. Não digas que a porta deixou de existir, que eu bati lá vinte vezes. Mas percebo. É mais confortável ficar no caos do sofá a fingir que se é só. Desculpas não aceites (mesmo que não as tenhas oferecido) – era como perguntar quanto tempo duraria a queda.

Das amizades II


















Há quase um ano, num casamento, decidi logo que nunca na vida poderia ser amiga da miúda de sandálias brancas e vestido preto, decotado à frente e atrás. Bonita, demasiado, morena, daquelas que fala, fala, fala e fala. Um estilo que me enerva. Prometi, ali, que não ia gostar dela. Aliás, decidi isso assim que cheguei à igreja e me senti inspeccionada até ao esófago. O ódio confirmou-se quando as sandálias brancas deram lugar a uns Fly maravilhosos, lá mais para o fim da tarde. Numa ida à casa-de-banho fui interceptada. “Desculpa, és a Pipoca não és?”. Que sim, que era, tinha-me reconhecido pela carteira. Que medo. Mais medo teria se soubesse o que hoje sei. Mas não. Ela foi simpática e eu continuei a achar que era demasiado gira para podermos partilhar o mesmo espaço (ainda que se tratasse duma casa-de-banho pouco charmosa). Nunca mais a vi, nunca mais pensei nela. Até que um dia, faz agora meio ano, me chegou um mail. Para partilhar uma história de amor, tão mais triste que a minha (e na qual eu era personagem à força). E para me contar outra, daquelas que eu também quero vir a ter. Seguiram-se dezenas de mails, de conversas virtuais (mas altamente terapêuticas), de conselhos, de palavras honestas, que são as que mais falta fazem. E, há dias, abriu-me as portas de casa. Ofereceu-me o melhor lugar da mesa, com vista para o Tejo à noite. Renunciou à pimenta e à cebola. Deixou-me vasculhar o mundo dela. E não sei se algum dia seremos amigas, que são precisas duas para dançar um tango. Mas um grande passo foi dado.

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Teorias absolutamente espectaculares

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